Hyde Park

O mundo bruxo estava calmo até o dia anterior. Parece que, quando um auror é morto, é criado um alvoroço, matérias do Profeta Diário logo iriam sair, fresquinhas, e toda a atenção estaria voltada para os Comensais. O Ministério da Magia fora atacado diretamente, e ainda mais Aldertree, um antigo e bem reconhecido na área. Luna não fazia ideia porque tudo estava acontecendo assim. Era apenas um auror. Não era como se tivesse acontecido um massacre, por favor! Se bem que seria ótimo.

Era o segundo dia que estava utilizando branco. Desta vez a roupa era mais comportada, visto que acabara de sair de seu turno numa loja do mundo trouxa, Burberry. Gostava do emprego; a loja dava um bom salário e era mais do que suficiente para se sustentar, já que o cargo de Comensal não oferecia muito dinheiro — na verdade, nenhum. Tentava ao máximo se portar como uma mulher comum, não como uma bruxa que era capaz de transfigurar e/ou conjurar objetos. E achou que parecia uma pessoa normal.

Caminhou pelas ruas de Londres, comprou um daqueles frappuccinos de caramelo deliciosos e passeou pelo extenso Hyde Park. Costumava ir ali quando era menor com sua mãe e seu pai, apenas se ambos tivessem horas livres — e a Montenegro ficava felicíssima que eles sempre tinham. Um sorriso cruzou sua face e ela fez seu caminho até um banco, onde pôde enxergar um cara lendo um jornal, o Profeta. Londres, a maior produtora de bruxos que você respeita, pensou. Sentou-se ao lado dele e terminou a bebida, jogando o copo descartável para dentro de uma das lixeiras.

Olhou para ele. As folhas do jornal encobriam sua face, de modo que Luna não conseguia enxergá-lo corretamente, e não gostava muito daquilo. Queria iniciar uma conversa e gostava de olhar nos olhos das pessoas enquanto falava, algo que transmitia confiança; uma das marcas registradas da mulher. Mordeu o interior das bochechas.

— Cinquenta pontos para a Grifinória — disse, uma risada escapando logo em seguida. — Bem, pelo menos eu fui da Grifinória. Você parece ser… da Sonserina. Mas aparências enganam.

O estranho abaixou o jornal e foi como se tudo acontecesse em câmera lenta.

— Jonathan?

Jonathan D’Cruz. Luna podia dizer quem era mesmo de olhos fechados; o conhece da ponta do nariz até os dedos dos pés — ou melhor, conhecia. Não se falavam desde o que, os dezoito anos? De qualquer maneira, o sonserino não parecia muito diferente. O ninho de passarinho que chamava de cabelo continuava um ninho de passarinho, as vestes, pelo visto, eram as mesmas e as manias também: ajeitar o óculos mesmo que não fosse necessário, levantar apenas uma das sobrancelhas (o que deixava Luna extremamente irritada, visto que não conseguia fazer isso) e observar a área.

Uma memória passou pela sua mente mas tentou apagá-la, não tendo sucesso. A garrafa vazia de hidromel girando e parando exatamente em Jonathan e Luna, a garota já levemente alterada murmurando ‘desafio’ e os lábios dele nos dela. É claro, ninguém sabia que aquele era o primeiro beijo da grifina mas não importava, duvidavam que ela iria se lembrar, porém, ela se lembrou. Sentiu a ponta das orelhas ficaram quentes.

Não sabia o que fazer. Não sabia se levantava e abraçava Jonathan até o mesmo se sufocar, não sabia se puxava assunto, não sabia se o segurava pela gola da camisa e o beijava. Admitiu para si mesma que o outro tinha evoluído; não era mais aquele geek magrinho dos tempos de Hogwarts — com toda a certeza, ele esteve malhando.

— Você se lembra de mim, certo? — levou uma mecha do cabelo para a parte de trás da orelha e enrugou as sobrancelhas. Porque eu com certeza lembro de você, adicionou na cabeça. — Você sumiu.

— Bem, Escobar. Eu lembro de muitos nomes, mas não conheço seus donos, muito menos me lembro de seus rostos.

Não levou o comentário do outro como uma provocação ou como algo maldoso, pelo contrário, entendia o que queria dizer, sempre entendia. E ela falara sério. Lembrava de todos os nomes das pessoas que matou ao longo dos três anos, porém não os conhecia muito bem. Perguntara aquilo simplesmente porque não tinha mais nada em mente, estava envolta numa completa nuvem.

— Impressionante. Você foi feito para os jornais — sorriu abertamente, colocando uma mão sobre um dos joelhos dele e afagando a parte lentamente. Mais um dos defeitos de Luna: gostava de contato físico. Pensando que aquilo iria intimidá-lo, de um modo rápido retirou a mão dali e pressionou os lábios juntos. — Ah, nada de muito interessante. — Me juntei aos Comensais. Legal, não?, pensou, contendo um revirar de olhos. — Theo faleceu e… — a voz falhou um pouco, no entanto, logo se recompôs. — E eu tirei um ano fora. Estou atuando mais no mundo trouxa, sabe? Tenho um emprego numa loja por aí, mas ainda moro com Isaac em Godric’s Hollow. Não tive muita escolha nisso.

— Está ok. Depois de um tempo, você se acostuma com a dor. Mas ele era um ótimo garoto..

Metade daquela frase era verdade. A parte que falava sobre Theo não tinha uma gota de mentira, no entanto. Primeiramente, Luna não acreditava que algum dia iria se acostumar com aquilo tudo, com a perda de seus pais e o irmão, e o peso do mundo recair sobre seus ombros. Segundo, tinha acabado de se formar em Hogwarts e não tinha dinheiro e não sabia para onde seguir. E para fechar, não tinha o apoio de ninguém, pois Isaac ainda estava no seu sétimo ano em Hogwarts e tudo estava caindo aos pedaços.

— Isaac é difícil de lidar. — Ela respirou fundo e riu com a segunda frase do outro.

Olhou diretamente nos olhos dele e apoiou o rosto na mão direita, colocando o cotovelo no banco. Um cacho do cabelo desarrumado de Jonny caía sobre seus olhos e ela não conseguiu evitar, levando os dedos e tirando o cabelo da visão do mesmo. Quando voltou para a sua posição inicial, balançou a cabeça e murmurou um pedido de desculpas, colocando uma risada no final da frase, tentando deixar o clima mais leve.

Sabia que Jonny perdera a mãe quando era mais novo e ambos podiam compartilhar da dor, porque se entendiam, porque partes importantes de suas vidas foram arrancadas sem nenhum aviso. O sonserino era um ótimo e carregava tudo sempre com um sorriso no rosto e escolhera se tornar uma pessoa melhor, diferentemente da Montenegro, que deixou o pessimismo tomar conta de seu ser e de tudo que a envolve.

— O meu problema não é esse. É que… não sei! Ele é simplesmente difícil. Vocês não se conhecem, né? — ela riu, o som ecoando e saindo de um jeito não planejado, mas seu rosto congelou quando ouviu a próxima frase dele. — É, e-eu vi, sim. Uma coisa horrível. Como eles têm coragem de fazer aquilo?

Se esforçou ao máximo para não deixar transparecer nada. Examinou as unhas cuidadosamente esmaltadas de vermelho-sangue e olhou para Jonathan.

— Devo admitir que foi uma jogada inteligente, sabe? Um ataque direto ao Ministério. Poucos tem essa coragem. — Com cuidado, tirou a manga que estava por cima do relógio e olhou as horas. — É melhor eu ir… — gesticulou estranhamente, sem saber o que dizer ou o que fazer. Se levantou e Jonathan murmurou algo sobre também ter que ir, de modo que os dois se levantaram ao mesmo tempo. — Podemos marcar algo um dia desses! O que acha? Um jantar, ou algo do tipo. Não me ofereço para cozinhar porque a minha comida é péssima, acho que você sabe muito bem disso!

Sorriu abertamente e encarou-o, deixando um beijo em sua bochecha como uma despedida e levando o dedão até o local para apagar a marca de batom que ficara. Acenou com a mão direita e fez o caminho inverso ao que estavam, entrando em um beco sem saída e aparatando.